Por Ricardo Romanelli
Jovens cheios de potencial. Veteranos All-Stars. Role players de muita qualidade. Um dos melhores técnicos da NBA. A franquia com mais títulos da história da liga. Diversos ativos para serem usados em trocas e aquisições. Olhando antes da temporada, o Boston Celtics tinha tudo para ser o melhor time do Leste. Sem Kyrie Irving e sem Gordon Hayward, o time havia ficado a poucas cestas de chegar até a Final da NBA já na temporada passada, e o sucesso parecia inevitavelmente vir na sequência. Com mais um ano de crescimento do núcleo jovem, aliado ao retorno dos dois All-Stars, o time seria o candidato mais forte ao topo do Leste, agora sem LeBron James. Pra ajudar, Irving declarou no começo da temporada que pretendia renovar seu vínculo com a franquia ao final da campanha. Parecia o cenário perfeito para uma temporada histórica.
Mas aí, tudo pareceu dar errado. O Celtics não encaixou, o clima ruim tomou conta da franquia e outros rivais no Leste, como Milwaukee Bucks, Philadelphia 76ers e Toronto Raptors se reforçaram e subiram bastante o nível da conferência. De repente, Boston tinha um problema.
Não faltam teorias e explicações sobre o porquê de o time estar rendendo abaixo do esperado. Críticas de Kyrie sobre os jovens atletas do time não pegaram bem, e o vestiário que na temporada passada era alegre e descontraído hoje é sombrio e silencioso, segundo jornalistas que cobrem o time. O time emplaca uma fase ruim, tendo vencido apenas três das últimas dez partidas no momento em que este texto é escrito. Patinando no Leste, o Celtics agora projeta não ter mando de quadra nos Playoffs, e uma eliminação já no primeiro round é possível. Quais seriam as consequências se isso acontecesse? Que reações isso poderia desencadear da diretoria e dos principais agentes livres do time?
Tudo começa, ironicamente, com o motivo que deixou o Celtics tão empolgado com o futuro. No ano passado, os jovens atletas do time lideraram a equipe muito longe nos Playoffs, e neste ano a franquia resolveu pedir a eles que entregasse de volta o comando a Irving e Hayward. Se em outros momentos da história dá NBA isso teria sido normal, dá pra dizer que hoje é uma pedida difícil. Todo jovem jogador já entra na liga preocupado com o legado que vai deixar após sua carreira, e estes jovens já sentiram o gosto do que é liderar um time e não estão dispostos a abrir mão deste protagonismo por outros atletas mais veteranos. O Celtics não é o primeiro time a ser assombrado neste embate entre jogadores jovens e veteranos, e certamente não será o último.
Aí entra também o erro conjunto da diretoria e do técnico Brad Stevens, em menor grau. Já ouviu aquela expressão popular “tem muito cacique pra pouco índio?”. Pois é, aí que está a questão central do Celtics. A diretoria e a comissão técnica contavam que os jovens do elenco poderiam ser os famosos glue guys, aqueles atletas carregadores de piano que criam o cenário necessário para os outros brilharem. Por mais que o Celtics tenha, sim, atletas neste perfil (Marcus Morris e Marcus Smart, por exemplo), a maioria dos jogadores de rotação ou é de atletas que foram All-Stars, como Irving, Hayward e o pivô Al Horford, ou jovens atletas que estão entre a elite dos prospectos de futuro da liga, como Jayson Tatum, Jaylen Brown e Terry Rozier. E nessa briga de egos, ninguém quer abrir mão de seus arremessos, seu tempo de quadra e seu protagonismo.
O resultado é um time que está constantemente infeliz, brigando com declarações pela imprensa e se perdendo em expectativas não alcançadas. Irving, de quem se esperava o maior papel de liderança (até porque foi este o motivo pelo qual ele pediu para ser trocado do Cleveland Cavaliers), vem decepcionando neste quesito. Mais cedo na temporada ele já criticou, de maneira geral, a postura de jogadores jovens na NBA, em detrimento de um sacrifício pelo sucesso coletivo. Mais uma vez, o erro em contar com os jogadores jovens para o papel glue guys se apresenta. Pra piorar, há mais ou menos um mês, sem qualquer motivo aparente, Irving ainda resolveu voltar atrás da promessa em renovar com o Celtics e disse que tomará a decisão sobre seu futuro apenas na offseason. Os crescentes boatos de uma saída dele, para times como New York Knicks ou Los Angeles Lakers, certamente ajudaram a envenenar mais ainda o vestiário em Boston. Com o pedido de troca de Anthony Davis e a demonstração de interesse do Celtics em participar das conversas, isso tudo deixa o Celtics numa posição de dúvida. Valeria a pena se desfazer de peças jovens por Davis, que só tem apenas um ano de contrato, com a relutância de Kyrie em se comprometer com o time?
Irving é um jogador bastante ambíguo na NBA atual. Ao mesmo tempo em que, aos 26 anos, é um dos scorers mais competentes e eficientes da liga (registra médias próximas ao famoso 50/40/90 nesta temporada), além de um pontuador capaz de decidir jogos na última bola, pode também ser bastante criticado por outras áreas de seu jogo. Ele não evoluiu, deste que entrou na liga, no lado defensivo da quadra, além de não ter amadurecido seu perfil de liderança e nem mesmo se tornado um grande criador de jogadas para seus companheiros.
Estes quesitos são bastante importantes para um armador. Pra citar dois exemplos da mesma geração e mais ou menos parecidos com ele, Steph Curry e Damian Lillard são dois atletas que evoluíram muitos nestes quesitos, e hoje estão seguramente acima de Irving nos rankings da liga, por boa margem. Pra piorar, ele também tem um histórico ruim com lesões em seu joelho, o que lhe impede de jogar temporadas completas na NBA e que lhe manteve fora dos Playoffs no ano passado. Isso já faz parte da mídia em Boston questionar se é este o jogador a quem a diretoria deveria pagar cerca de US$ 40 milhões anuais pelos próximos anos.
Todo este cenário deixa o Celtics numa verdadeira encruzilhada. Parece inacreditável que o time que mais reunia bons jogadores, jovens com potencial, um excelente técnico e ativos futuros esteja nesta situação, mas está. Falando em Brad Stevens, ele não é isento de críticas. Por mais brilhante que possa ser com a prancheta na mão (e é), gerenciamento de egos também é uma das principais funções de um treinador na NBA, e é justamente aí que está o maior problema do Celtics. Phil Jackson, técnico mais campeão da NBA, é também o melhor gerenciador de egos que a posição de treinador já viu na liga Coincidência? Claro que não.
Outros fatores menores, como a lenta recuperação de Gordon Hayward também influenciam, mas não seriam um problema caso todas as outras variáveis estivessem funcionando bem. O Celtics agora encara uma reta final de temporada com cenário difícil para os Playoffs, e dúvidas sobre o que fazer na sequência. Além de Irving, cada vez menos focado e comprometido, o pivô Al Horford também tem uma player option em seu contrato que poderia ser ativada e lhe tornar um agente livre. Seria difícil entender porque um atleta de 33 anos abriria mão de um contrato que lhe pagaria US$ 30 milhões na próxima temporada, mas não seria a primeira vez que um jogador faz isso em busca de um vínculo que lhe pague menos anualmente, mas garanta mais anos de contrato, estendendo sua carreira na NBA. Num cenário apocalíptico, o Celtics poderia se ver sem Irving e Horford, será que ainda assim o time faria uma oferta envolvendo seus jovens atletas por Anthony Davis?
O problema do Celtics não começa e nem termina com um único atleta, são diversas variáveis envolvidas e chega até a diretoria, na montagem do elenco. Aconteça o que acontecer com seus free agentes (e esta é uma variável fora do controle do time), Danny Ainge e companhia devem buscar, acima de tudo, um time que seja mais coeso e com papéis melhor definidos para a próxima temporada. A falta de atuações coletivas é, em maior ou menor grau, culpa de todos os principais jogadores, da comissão técnica e da diretoria, e por isso um alinhamento de expectativas é necessário para o que vem adiante. O Celtics é, afinal, um time muito talentoso. Quão distante será que este vestiário realmente está para chegar a um encaixe ainda nesta temporada e fazer uma boa corrida nos Playoffs? Isso com certeza apagaria muitos dos problemas e erros que hoje vem sendo apontados. Para tanto, o primeiro passo é que todos os envolvidos na briga de egos queiram isso e estejam dispostos a deixar algumas coisas para trás em prol do melhor para o time. Infelizmente, não parece haver esta disposição.
O post “Muito cacique pra pouco índio”: qual o problema do Boston Celtics? apareceu primeiro em Jumper Brasil.